Escrito por Dulce Mesquita e publicado em
12 de abril de 2013 na revista Gestão Educacional.
Os livros e cadernos, aos poucos, estão
sendo substituídos por tablets. O quadro negro, que depois ficou branco,
agora é digital. As aulas podem ser assistidas a distância. E a tarefa de casa
pode ser feita numa rede social. O que antes parecia coisa de filme futurista
tornou-se realidade.
A tecnologia está cada vez mais presente
no cotidiano das pessoas, assim como na educação. Antes de isso tudo tornar-se
tão evidente, o filósofo francês Pierre Lévy já defendia a teoria da
inteligência coletiva e da cibercultura. Para ele, estamos vivendo
o início de uma transformação cultural, em que a forma de construir o conhecimento
é colaborativa. Lévy explica que os educadores precisam mergulhar na
cultura digital, para compreender o universo dos estudantes. Além disso, ele
salienta que os professores devem usar as ferramentas virtuais em benefício da
educação, explorando suas singularidades e dando mais espaço para que os
estudantes participem mais ativamente do processo de ensino-aprendizagem.
Durante o V Congresso Internacional Conexão RCE (Rede Católica de Educação),
realizado em Brasília, o filósofo conversou com a revista Gestão
Educacional sobre as mudanças que precisam ser aplicadas na educação.
Gestão Educacional: Nos últimos anos, o
Brasil tem se destacado no cenário econômico mundial. Infelizmente, no aspecto
educacional, a situação está longe do patamar dos países desenvolvidos. Como
educar para o futuro nesse cenário?
Pierre Lévy: Fico impressionado como os brasileiros têm
uma ideia negativa do seu próprio país. Primeiramente, o Brasil está se
transformando na quinta potência econômica do mundo, com uma taxa de
crescimento muito elevada. Sim, tem analfabetismo, mas, apesar disso, há um
esforço importante focado na educação. E sempre que eu venho para cá, vejo uma
porção de profissionais focados, esforçados para trabalhar com educação, da
educação infantil ao ensino médio. São pessoas que têm a consciência de que o
futuro está nesse investimento em educação e em conhecimento. Então, não fiquem
desesperados. Continuem com esse entusiasmo extraordinário que vocês têm.
Claro, há problemas. E nós temos que resolvê-los com as ferramentas de hoje e
com a visão do futuro. As pessoas precisam acreditar no hoje. E muitos
professores têm essa visão.
Gestão Educacional: Quais são as
dificuldades de usar ferramentas digitais em sala de aula?
Pierre Lévy: Não há obstáculos. Todos os estudantes têm
uma habilidade extraordinária para usar esse tipo de ferramenta. Agora, os
professores têm que conhecer tão bem quanto as crianças. Sobretudo, isso tem
que ser utilizado numa ótica de aprendizagem colaborativa. Eu acredito que o
professor precisa se capacitar, porque ele só pode ensinar aquilo que ele
domina. Eu não acredito na formação do professor apenas para usar as redes
sociais. O professor também tem que se esforçar. Utilizar isso para si próprio.
É só uma questão de entrar nessa cultura. E de implementar o know-howpedagógico
utilizando essas ferramentas.
Gestão Educacional: Podemos dizer, então,
que a forma de ensinar mudará nos próximos anos?
Pierre Lévy: Sim, estamos no início de uma grande
transformação cultural. Hoje, nós podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo.
O banco de dados da internet funciona como uma biblioteca única de todo o
mundo. E nós podemos usar essas informações, que podem estar em outros idiomas,
porque já há ferramentas que traduzem tudo para nós. Esses três processos eu
chamo de ubiquidade, interconexão e manipulação automática de símbolos. Essa é
a nova situação que vivemos. Isso está ligado à educação, porque temos que
preparar os alunos para essa nova realidade. Mas temos que nos preparar antes
de ensinar.
Gestão Educacional: E o que seria a gestão
da atenção? E como ela contribui para diminuir a chamada sobrecarga cognitiva?
Pierre Lévy: A gestão da atenção não é algo que começou
com as ferramentas digitais. A disciplina mental, aprender a concentrar-se, é
algo que sempre foi útil e que deve também ser aplicado com essas ferramentas.
Não é possível estar diante de uma tela de computador e, de uma hora para
outra, esquecer o que se está fazendo e ir fazer outra coisa, de qualquer
jeito. Diante do computador, é necessário controlar a sua mente e se concentrar
num objetivo de aprendizagem e de colaboração. A sobrecarga cognitiva é
realmente um problema falso porque é o mesmo que dizer que há livros demais em
uma biblioteca. Muitos livros não provocam uma sobrecarga cognitiva. Você
aprende a utilizar os arquivos da biblioteca, as fichas, a escolher um livro
mais adequado com seu objetivo e você lê esse livro. A gente não vai começar a
ler a primeira página, depois buscar outro livro. Na plataforma on-line
acontece o mesmo. É a responsabilidade pessoal que faz a diferença.
Gestão Educacional: Mas muitos professores
reclamam que os alunos ficam dispersos diante do computador ou do celular.
Pierre Lévy: Bom, eu também tenho alunos e quando eu
dou aula, eles ficam olhando para o celular também. Eu sou super severo. Eu
proíbo que eles olhem o celular durante a aula. Mas, em certo momento da aula,
eu digo: “pronto, agora vocês podem olhar o celular”. E todos eles olham. Eu
também passo um exercício. Eles podem “tuitar” alguma coisa ou eles têm que
buscar alguma coisa no Google, no Wikipédia. Depois eu digo que acabou e é hora
de desligar o computador e desligar o telefone. A gente precisa aprender quando
ligar e desligar o aparelho, utilizando-o conscientemente. É um domínio de si
próprio, uma disciplina. E essa disciplina já tem que ser ensinada desde a
escola primária.
Gestão Educacional: Algumas escolas já
usam o tablet como material obrigatório, substituindo livros e
cadernos. Até que ponto é indispensável que cada aluno tenha o seu computador
em sala de aula?
Pierre Lévy: É muito difícil manter as antigas
ferramentas de leitura e de escrita durante muito tempo. Então, daqui a alguns
anos, eu prevejo que o material escolar de hoje será substituído por tablet.
Mas não o tablet de hoje, mas o tablet de
amanhã, no qual nós teremos todos os manuais didáticos, as ferramentas de
escrita, de pesquisa. Um tablet como ferramenta de trabalho.
Um tablet que permita fazer anotações nas margens de livros.
Coisas assim que ainda são um pouco difíceis hoje em dia. Vai ser algo mais
leve e, possivelmente, até custe mais barato. Agora, uma sala de aula é difícil
imaginar. A gente nem sabe como vai ficar essa noção de sala de aula
completamente. Porque são questões muito complexas. Isso é um processo em
curso.
Gestão Educacional: Em vários estados
brasileiros, os professores estão recebendo computadores ou tablets.
O que o senhor acha disso?
Pierre Lévy: Isso é muito bom. A gente não pode ensinar
aquilo que a gente não sabe. Não dá pra ensinar se a gente não domina.
Gestão Educacional: As novas tecnologias
podem prejudicar?
Pierre Lévy: Não. As novas mídias não têm impacto
negativo. O impacto negativo acontece quando as pessoas estão expostas a coisas
negativas. O problema não é a internet. É a falta de disciplina mental. Seria o
mesmo que dizer que as estradas são malvadas porque matam gente. Não, na
verdade são as pessoas que dirigem mal.
Gestão Educacional: Mas alguns alunos hoje
já têm dificuldade de escrever, porque lidam mais com a digitação.
Pierre Lévy: Aprender a escrever é importante, claro. O
que ocorre é o mesmo [que acontecia] quando as pessoas começaram a ter
calculadoras. Antes, todos faziam o cálculo mental. Hoje, ficam sem saber se
não tiverem a calculadora do lado. No futuro, a maioria das pessoas vai
escrever e ler com essa nova ferramenta.
Gestão Educacional: Como o senhor usa as
redes sociais com os seus alunos?
Pierre Lévy: Por exemplo, todos os meus alunos têm
Facebook. Mas geralmente eles não conhecem a funcionalidade grupo. O que
fazemos é o seguinte: formamos um grupo e, a cada semana, cada um tem que
postar alguma coisa. Um vídeo, um link relacionado ao tema da aula. Os outros
têm que ler o que o colega enviou e comentar, discutir junto. Então, eles
alimentam o grupo e eles aprendem a discutir. Se um postar alguma coisa que o
outro já postou, ele fica com uma nota ruim porque significa que ele não
prestou atenção nos outros. Também não pode fazer uma pergunta que já foi
respondida. Eu tento ensinar a economia na comunicação para que não percam
tempo. São coisas assim, que se tornam úteis.
Gestão Educacional: Isso seria a
inteligência coletiva?
Pierre Lévy: Sim. A própria internet é uma memória de
produção coletiva. De certa forma, isso sempre existiu, porque o que conhecemos
hoje é uma herança do que já foi feito. A escola do futuro será a escola
social, onde a aprendizagem será colaborativa. Não é que a escola de hoje
deixará de existir. É uma camada que complementa a outra. Logo, temos que
educar visando esse novo comportamento, através de uma pedagogia de
aprendizagem coletiva permanente.
Gestão Educacional: E como os professores
podem orientar os alunos?
Pierre Lévy: Primeiro, devem ensinar sobre
responsabilidade social para a memória coletiva. Tudo o que você posta na
internet contribui para a memória coletiva. Segundo, é preciso ter um espírito
crítico. Os alunos devem saber separar as fontes boas e as fontes ruins, porque
um mesmo evento pode ser contado de diversas formas. Depois vem a gestão da
atenção, como já citei. Outra coisa importante é a necessidade de produzir para
assimilar. É a transformação da informação em conhecimento.
Gestão Educacional: Como serão os alunos
do futuro?
Pierre Lévy: Serão pessoas criativas, abertas,
colaborativas e, ao mesmo tempo, terão a capacidade de se concentrar, porque
terão uma mente disciplinada. É necessário ter um equilíbrio entre dois
aspectos: o primeiro é a imensidão de informações, contatos, colaborações. O
outro é o aspecto de planejamento, realização de projetos, disciplina mental.
Fonte: Revista Gestão Educacional
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